JBS “emplacou” 12 deputados

Candidatos a uma vaga na Câmara conseguiram se eleger e ficaram com 80% das doações feitas pela empresa investigada na Operação Carne Fraca

EDUARDO MILITÃO
PAULO DE TARSO LYRA

Um dos principais alvos da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, o grupo JBS, que fabrica a marca Friboi, doou para 23 candidatos a deputado em 2014 e conseguiu que 12 fossem eleitos. Para isso, injetou R$ 5,61 milhões nesses políticos no último ano em que o financiamento de campanha empresarial foi permitido. Porém, a parte do grupo que ficou com a maior fatia desse bolo foi justamente a que conseguiu chegar à Câmara. Oitenta por cento das doações, ou R$ 4,5 milhões, caíram nas campanhas de 12 políticos. Estes são exatamente os que foram eleitos, quase todos da bancada ruralista. É o que aponta leva

O grupo de 23 beneficiados por doações da JBS contém ainda dez candidatos que ficaram na suplência. Ou seja, em tese, podem assumir a Câmara assim que os titulares ocuparem secretarias e cargos em Brasília ou nos estados. Só um candidato não conseguiu se eleger.

Entre os 12 eleitos, nove pertencem formalmente à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), ligada a fornecedores de matéria-prima para a indústria de alimentos e à agroindústria (veja quadro).

Quem mais recebeu recursos das empresas do grupo JBS foi o ruralista Antônio Balhmann (PROS-CE). Ele obteve R$ 1,6 milhão da empresa. Hoje, está fora da Câmara pois atua como  assessor-especial de Assuntos Internacionais do Governo do Ceará, administrado por Camilo Santana (PT).

Em segundo lugar, ficaram empatados o ex-governador do Mato Grosso, um dos pivôs do agronegócio brasileiro, e mais dois parlamentares. O deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) recebeu R$ 500 mil da JBS. O mesmo valor foi destinado a Ronaldo Manchado Martins (PRB-CE), um dos poucos que não integram a Frente Parlamentar Agropecuária, e a Fernando Jordão (PMDB-RJ). Em 2016, quando doações empresariais foram proibidas por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, Jordão elegeu-se prefeito de Angra dos Reis (RJ).

O deputado Moroni Torgan (DEM-CE), que não é ruralista, obteve R$ 300 mil da JBS. Atrás dele, figuram Daniel Vilela e Pedro Chaves, ambos do PMDB de Goiás e destinatários de R$ 250 mil.

Reportagem do Correio Braziliense deste domingo

Doações podres

Para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, a Operação Carne Fraca e o financiamento eleitoral de firmas envolvidas com ela intensificam um problema crônico na democracia brasileira. “Essa operação só reforça o desencantamento do eleitor com o que está aí”, disse ele ao Correio. “Imagine o que passa na cabeça do cidadão ver seu deputado investigado em um esquema de corrupção e recebendo uma doação de uma empresa que produz carne podre.”

Já Rui Tavares Maluf, cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, entende que o modus-operandi da Operação Lava-Jato acende um alerta. “É muito cedo para fazer qualquer associação deste escândalo com esquemas de corrupção nas doações”, inicia. “Mas, depois do que vimos acontecendo na Lava-Jato, algo que não imaginaríamos ser possível, não há porque duvidar de nada. Mas não podemos julgar antecipadamente para  não cometer injustiças.”

O diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, enxerga gravidade no problema por causa da relação dessas empresas frigoríficas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “O que aconteceu é muito grave”, sentencia. “Especialmente porque uma das principais empresas envolvidas recebeu muito dinheiro dado pelo BNDES. Sempre havia dúvidas de como essas empresas doavam tanto para as campanhas. As pessoas  pensavam nas margens de lucro. Agora, vemos como eles tinham essa margem toda.”

O esquema

Na Operação Carne Fraca, a Polícia Federal desmontou um esquema de pagamento de propina para emissão de certificados sanitários na sexta-feira. Segundo os investigadores, fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura não fiscalizavam o funcionamento das empresas e recebiam propina de executivos de diversas firmas. Entre elas estão Brasil Foods (BRF) e JBS, duas das maiores processadores de alimentos do mundo. A PF ainda suspeita que parte dos recursos ilícitos eram destinados para o PMDB e para o PP.

Durante as investigações, a PF interceptou uma ligação do ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), quando ele ainda era deputado, com Daniel Gonçalves Filho, ex-superintendente Regional do Ministério da Agricultura no Paraná (PR). Daniel é considerado pelos investigadores como chefe da organização criminosa e à época o ministro pediu que ele ajudasse a avaliar um problema de um frigorífico em Itaporã (PR). Ao menos até o momento, porém, a PF não encontrou indícios de ilegalidade na conduta do ministro, que não é investigado.

A ação ainda preocupou por causa da repercussão internacional sobre o comércio de carnes que o Brasil mantém com diversos países. As ações das empresas caíram nas bolsas de valores já na sexta-feira. No Congresso, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) está propondo a CPI da Carne para apurar o escândalo e seus tentáculos políticos e no Parlamento.

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